O Cair da Tarde - individual de Renato Pera - a exposição


a exposição "O Cair da Tarde" está em cartaz até 27/04/2013.
Venha visitar!
terça a sexta das 14h às 19h e sábado das 11h às 17h.
Rua Capitão Macedo, 370 - V. Mariana - SP   -    tel: 2337-3015




Janela Basculante, 2013    -    113x80x29 cm
objeto, madeira, ferro e pintura 






              Tirésias, 2013                               60x46x10 cm
fotografia, impressão digital montada em caixa desenhada pelo artista
cópia única






The Endless, 2013            27,5 m2.
instalação, madeira


The Endless - detalhe





O Cair da Tarde I, 2013         150x110x18 cm
fotografia, impressão digital montada em caixa de madeira desenhada pelo artista
cópia única









O Cair da Tarde II, 2013         150x110x18 cm
fotografia, impressão digital montada em caixa de madeira desenhada pelo artista
cópia única



























Conheça os textos de Marcelo Salles e Raphael Fonseca

Vivemos uma época de mutações e com ela um desconforto já diagnosticado. Talvez tenha sido sempre assim; ciclicamente, tempos de mutações ou crises colocam em jogo nossas concepções sobre o que conhecemos ou imaginamos conhecer nos dando a sensação da perda de algo. Porém este “agora” que vivenciamos é marcado por uma cultura do excesso. Imagens, sons, palavras nos bombardeiam céleres e  incessantemente como talvez nunca tenha ocorrido.
...

Esta primeira individual de Renato Pera dá a oportunidade de nos confrontarmos com questões como essas. A profusão de referências que fazem parte de seus trabalhos, e de sua própria poética,  exemplificados na diversidade e mesmo na aparente disparidade entre os trabalhos, nos faria supor um artista que trabalha a questão do excesso em sua produção como assimilação rasa e sem questionamentos. Todavia não é desta forma que ele trabalha, mas para isso convém identificarmos alguns eixos que antes de organizar, possibilitam as relações entre suas inúmeras referências.

A arquitetura é um destes eixos. Seja alterando um espaço existente, como em The Endless, e consequentemente criando um novo lugar, seja em O Cair da Tarde I e O Cair da Tarde II nas quais os locais onde estão inseridas têm suas ambiências alteradas de forma a não serem apenas objetos mas a terem uma presença enfatizada por este mesmo local. Neste sentido, são instalações concebidas para os espaços da Casa Contemporânea, mas que podem ser montadas em outros locais com resultados outros e não menos instigantes.

Lidar com o banal ou com elementos do cotidiano faz parte do léxico contemporâneo; para isso, porém, é necessário que o artista consiga como que enxergar em meio a um facho de luz que recebe em seu rosto. Renato lida com isto através da concisão. Sua postura perante os excessos seria uma busca pelo menos , por trabalhos que provocam pequenos deslocamentos que a princípio causam estranheza para em seguida nos surpreenderem. Isto acontece tanto em Janela Basculante, nos adesivos Volteador de Salão ou no filme The Dawn of Man / A Aurora do Homem que utiliza imagens do filme de Stanley Kubrick (2001: Uma Odisséia no Espaço).

Por último, mas não menos importante, está o modo como a artista lida com as camadas de significado dos trabalhos – não só através do que vemos, mas também pelos nomes ou por aspectos estéticos que ele sabiamente incorpora. Tirésias, O Jardim das Hespérides (Infragranti) e O Jardim das Hespérides (Melancolia) mesclam mitologias, erotismo, imagens ressignificadas, simulacros, falências. O modo como esses eixos se cruzam acabam por gerar possibilidades de legibilidade ou uma obra aberta. Como Renato mesmo diz: esta exposição “é uma progressão, não uma visão concluída sobre minha produção”.
...

Um pequeno livro do século XVIII escrito por um obscuro cientista chamado D.T. Bienville e com o delicioso título “A Ninfomania ou Tratado sobre o Furor Uterino” se assemelha a um sério tratado de medicina que visa tratar das “enfermidades femininas” sob um aspecto moralista.  Porém, o que a princípio parece um livro sério com suas descrições tanto fisiológicas quanto medicinais, vai nos confundindo cada vez mais, tornando-se erótico, divertido, literário e, essencialmente, estranho a ponto de surpreender. Para isso, porém, é necessário que lidemos com sua profusão de informações trazendo-a para a contemporaneidade. Aviso: esta não é uma analogia gratuita.


Marcelo Salles

_______________________________________________________________________________ 



Lar, estranho lar
Raphael Fonseca

Encontro-me nesta fascinante e estressante experiência de mudar de casa. Se empacotar objetos e colocar dentro de um caminhão de mudanças é algo que fica entre a despedida e o cansaço físico, já adentrar um espaço até então vazio é a oportunidade de se atribuir novo sentido a um cubo branco domiciliar. Depois de tudo colocado em seu devido lugar, um elemento ainda saltava aos olhos: em torno dos bocais para lâmpadas e das sancas, uma série de relevos com padrões geométricos.
Meus estudos como historiador da arte rapidamente sugerem uma interpretação estilística, tal qual dizer que se trata de uma “decoração com pitada de rococó”, por exemplo. De todo modo, as palavras não dão conta da estranheza desse dado. Por que o proprietário deste apartamento tomou essa opção estética? Mais do que isso, a partir de qual momento de uma história das imagens esse objeto passa a ser carregado por este rótulo rápido e parece fazer sentido dentro de uma vontade de decoração espacial?
Lar, estranho lar. Estranhar o corriqueiro me parece ser também um elemento chave dentro da pesquisa artística de Renato Pera. Podemos partir da apropriação da estranha espacialidade da imagem “infraganti”. Se uma mulher chora e é retirada de dentro de um armário-esconderijo, enquanto seu possível amante é imobilizado por policiais, uma cadeira repousa sobre o chão. Este elemento visual parece ter um caráter mais alegórico do que utilitário; o punctum desta narrativa diz respeito à queda e fracasso de uma relação humana.
A cadeira, este objeto dissecado pelos mais diversos autores, de Platão e sua teoria do simulacro a Kosuth e sua obra-chave da chamada “arte conceitual”, é reutilizada por R. Pera em uma série de imagens e vertida em fantasma. Ela pode ser tanto um trono para um Tirésias vertido em Deneuve quanto uma metáfora para a recusa ao sentido ilustrativo de muita da produção contemporânea de arte. Aqui o espectador é colocado em uma posição de xeque em que, partindo da retina, volteará sobre os cômodos silenciosos deste espaço expositivo que tem uma casa no seu nome. Não há sucesso ou fracasso nesse contato entre homem e objeto, mas apenas seu próprio convite.
Neste sentido, parece ser possível aproximar os trabalhos desta exposição com as imagens criadas por Max Ernst, artista que sempre aparece nas minhas conversas sobre arte com Renato. Citando as palavras de Argan quanto ao artista alemão, “... não é o sonho que cria a imagem, e sim o inverso: a imagem se desenvolve no quadro por meio de um jogo complexo de associações alógicas”. Creio que nas imagens aqui apresentadas, esta frase também possa ser atribuída. Parte-se da experiência concreta, daquilo que o próprio Argan chama de “detritos da cultura burguesa” para se criar imagens que poderiam ser lidas, ao menos inicialmente, a partir de uma chave onírica. Percorrendo o espaço e esbarrando na repetição de certos elementos visuais, podemos apreender uma estrutura narrativa não-linear.
Outro objeto aqui apresentado me parece endossar essa leitura em diálogo com o surrealismo. Reinando sobre uma sala está uma janela com basculantes. Se toda a tradição da pintura no ocidente, ao menos desde o século XIV, é pautada na aceitação ou recusa da tela como continuação do espaço interno, tal qual uma janela com sua perspectiva, esta aqui apresentada não é dada a nenhuma contemplação para além dela mesma. Entreaberta, estática, quase um ídolo pedindo a adoração do público e lembrando ao espectador sobre o próprio sagrado ato da observação, ela nos obriga ao confronto de sua literalidade. Ao mesmo tempo me pergunto: se esta janela não estivesse alavancada ao estatuto de arte, mas fosse um dado arquitetônico da própria galeria, manteríamos nosso olhar concentrado por muito tempo?
Suponho que não e baseado nesta crença aproximo estes objetos artísticos aqui reunidos ao estranhamento diário de habitar um espaço novo. Sentado perante um computador e vendo camadas de objetos organizados atrás dele, começo a pensar sobre a lógica que imprimi a isto que agora chamo de lar. Ordem e sentido inexistem nas coisas por si próprias, sendo atribuídas por aquele que habita ou, como no caso de qualquer texto, pelo autor.
Por essa trilha creio que a produção artística de Renato Pera incite justamente um deslocamento do mundo pragmático a fim de que o público, a partir da potência destas imagens, crie suspeitas. Estas podem se converter em narrativas ou não – o importante, me parece, é sairmos de nossos locais seguros. Ao fim, na ausência de certezas dentro da galeria, apenas nos restará a vaga confiança no cair de toda a tarde acima de nossas miúdas existências.



Raphael Fonseca trabalha com história da arte, crítica e curadoria. Reside no Rio de Janeiro e cursa atualmente seu doutorado (UERJ). Contribui periodicamente com a revista ArtNexus.





   

Nenhum comentário:

Postar um comentário